quarta-feira, 25 de maio de 2011

Zagallo: 'O tri com o gol do Pet foi uma verdadeira Copa do Mundo’

Velho Lobo se emociona ao lembrar falta cobrada pelo gringo em 2001 e diz que título apagou parte da dor pelo vice da Seleção em 1950, no Maracanã



Por Janir Júnior Rio de Janeiro



Zagallo revê o lance do gol. Durante a trajetória da bola na falta cobrada por Pet, os olhos se enchem de lágrimas, a voz embarga e o Velho Lobo mostra os pelos do braço arrepiados. Dez anos se passaram desde o histórico gol marcado aos 43 minutos do segundo tempo, a vitória por 3 a 1 sobre o Vasco no dia 27 de maio de 2001, e o tricampeonato estadual. Em vez de apagar, o tempo alimentou de emoção a cada dia, mês e ano a memória do ex-técnico rubro-negro.


zagallo flamengo x vasco 2001 final carioca flamengo tri campeão (Foto: Hipólito Pereira/Agência O Globo)


O então treinador Zagallo vestindo a camisa rubro-negra e de colete, à beira do campo na partida contra o Vasco, no Maracanã, em 2001 (Foto: Hipólito Pereira/Agência O Globo)

Aos 79 anos, Zagallo afirma que a conquista diante da torcida do Flamengo em um Maracanã lotado apagou um pouco sua dor pela vitória do Uruguai sobre a Seleção Brasileira, em 1950, no estádio carioca. O técnico revela o discurso que adotou para amenizar os problemas de relacionamento entre Petkovic e Edílson, exalta sua carreira vitoriosa no Rubro-Negro e recorda a imagem de Eurico Miranda, então presidente do Vasco, já no gramado, dando baforadas no charuto à espera do título que não veio.


Com um currículo vitorioso, Zagallo ainda tinha uma dose de emoção guardada para a reta final de sua carreira como técnico. E bem no final, aos 43 minutos do segundo tempo, na sua última conquista no Maracanã. Naquele 27 de maio de 2001, agarrado à sua imagem de Santo Antônio, o Velho Lobo só tinha um pedido:


- Era fração de segundos para ganhar o título. Com a torcida, a fé, a imagem de Santo Antônio na minha mão, pensei: "É, vai ser agora, vai ser mesmo’. E não deu outra. Deus me abençoou, iluminou a mim e ao Pet.


Dia 27 de maio de 2001. Dez anos se passaram. Nesta data, o senhor também vai relembrar tudo que aconteceu no Maracanã? Mesmo tanto tempo depois, ainda arrepia?


Você falou no arrepio e ele já veio (mostra os pelos do braço arrepiados). Veio porque é deslumbrante. Você conviver, viver aquilo que aconteceu em 2001. Estamos em 2011, lembro os detalhes como um filme que passa a toda hora, todo instante, todo momento. Estou falando aqui e vejo o Pet colocar a bola no gramado, se preparar para chutar. E eu torcendo como nunca para que ela entrasse. Só com o Pet, que chutava muito bem, aquela bola poderia conseguir o impossível. O impossível aconteceu: a bola colocada no ângulo, fora do alcance do Helton, que hoje está em Portugal fazendo milagres. Mas o milagroso dessa falta foi o chute determinado, imposto pela sua categoria e a vontade de que aquele terceiro gol entrasse naquele ângulo. Deus quis que o título, aquele jogo, aquele gol mostrassem a realidade de um jogador fabuloso que foi o Pet, fazendo o terceiro gol para vibrar sozinho, depois com todos os jogadores e com a majestade da torcida maravilhosa que é a do Flamengo. Naquele dia, tudo era ansiedade, desde a concentração, a subida no ônibus, o caminho para o Maracanã, a imensa torcida ao lado do ônibus gritando "Mengo, Mengo, vamos ganhar". São memórias que ficam e jamais sairão da minha retina.






A conquista do tricampeonato sobre o Vasco, da forma como foi, teve o mesmo gosto de uma Copa do Mundo?


Às vezes, até mais. Naquele tricampeonato, eu estava dentro do meu país, no Maracanã, onde tive uma decepção tremenda. Como soldado da polícia do exército, estava no Maracanã e vi o Brasil perder para o Uruguai a final da Copa de 1950. Nesse mesmo estádio, repleto de uma torcida inflamada como a do Flamengo, o tricampeonato com o gol do Pet foi uma verdadeira Copa do Mundo. Por exemplo: em 1970, foi sensacional, meu terceiro título mundial, o primeiro como técnico da Seleção Brasileira. Estava no México, o mundo passava através da minha cabeça, pensava no Brasil, no Maracanã. No tricampeonato pelo Flamengo, eu estava no Maracanã com a torcida preta e vermelha toda gritando "Mengo, Mengo, Mengo". Não é fácil.


Naquela decisão, além da superação dentro de campo, foi preciso vencer uma série de problemas internos, rixa entre Pet e Edílson. Como o senhor fez para unir o grupo na busca pelo título, ainda mais depois da derrota por 2 a 1 na primeira partida da final?


Quem vê uma vitória final não sabe o que passamos durante a competição em 2001. Houve problemas internos, todos sabiam que o Pet e Edílson não se davam, aconteceram várias reuniões: eu com o grupo, o elenco sozinho para falar sobre o assunto, pois já estava quase na véspera do jogo e nós estávamos abordando o caso. Disse que tínhamos que trabalhar, nos unir, pois dentro de campo o que vale é o preto e vermelho, a união. Se fora de campo eles (Pet e Edílson) não se davam, era outra questão. Dentro do jogo, a coisa tinha que ser diferente. E realmente foi. Levamos os problemas a um bom senso, de fato os jogadores se uniram e fomos para o Maracanã com um único objetivo: ganhar o tricampeonato. E conseguimos, com sangue, suor e lágrimas.


E o Edílson marcou dois gols, um deles de cabeça depois de passe do Pet, e também sofreu a falta que originou no gol do título...


Sim. O Edílson fez um gol de cabeça com um passe do Pet. Eles estavam ligadões, pensando só no jogo, na vitória, não pensavam mais nos problemas extracampo. Isso foi fundamental para o trabalho do grupo pela vitória.


Zagallo durante entrevista (Foto: Pedro Veríssimo / Globoesporte.com)


Zagallo assiste ao gol de falta de Petkovic, dez anos depois, e mostra os pelos do braço arrepiados durante entrevista (Foto: Pedro Veríssimo / Globoesporte.com)

Esta conquista ficou muito marcada para os torcedores do Flamengo. Dez anos depois, como é a relação da torcida quando aborda o senhor na rua?


Hoje, qualquer telefone celular tira foto. Quando o torcedor fala comigo, cita o gol do Pet, comemora, diz que tem que agradecer a vida toda por aquela conquista. Apesar de o tempo ter passado, eles querem uma foto comigo. E lembram também a frase "vocês vão ter que me engolir". Sou querido pelo povo brasileiro.


Hoje, quando o senhor lembra do título, a emoção ainda é visível. Como é essa ligação com o clube, o tricampeonato, a paixão rubro-negra?


O Flamengo marcou minha vida. Jogava no juvenil do América em 48 e 49, depois fui para o exército. Lá tinha um jogador, o lateral Gerson, que era do juvenil do Flamengo e que me fez o convite para ir até o clube. No América, nunca tinha recebido dinheiro, era um sócio-contribuinte, meu pai pagava 20 mil réis para eu jogar vôlei, pingue-pongue, fazer natação e futebol. Eu pagava para jogar. O Jaime de Almeida, que era o técnico do Flamengo na época, gostou, e fizeram minha transferência para o Flamengo usando como ponte o Canto do Rio. Foi uma nova vida futebolística. Como jogador, fui tricampeão pelo Flamengo em 1953, 54, 55, já tinha raízes. Depois, a vida continuou, retornei ao Flamengo e encerrei minha carreira como técnico no clube. No final da minha vida, tive uma alegria como a de 2001. Foi uma felicidade total. Depois de ser tri como jogador, Deus me proporcionou estar no tricampeonato como treinador.


Podemos dizer que o Pet ajudou nesse desfecho com chave de ouro? O que pode falar dele como jogador e pessoa?


Falar sobre o Pet é importante na minha vida, pelo convívio que tive nesse período, na conquista do tricampeonato. Ele era um jogador difícil. O treinador tinha que ter um bom convívio, jogo de cintura, saber lidar com ele, que era uma boa pessoa. De vez em quando, ele ia para Iugoslávia, voltava fora do tempo, e eu conversava para trazer o jogador para mim e para o Flamengo. O técnico tem que ter um pouco de psicologia. Eu era como um pai, já que o Pet tem idade para ser meu filho. Ele é um cara bacana, jogava demais. Eu precisava dele dentro do time. Ele era diferenciado. Não sei como na Iugoslávia não foi titular da seleção. Não foi lá, mas felizmente foi junto comigo conquistando um grande título. Parabéns para você, Pet. Que bom eu ter te conhecido. Mesmo com os problemas, você soube lidar comigo, eu soube lidar com você, e nós ganhamos juntos um tricampeonato. Dentro do Maracanã, foi o meu grande título daquele ano. Depois, na minha despedida, ainda conquistamos a Copa dos Campeões sobre o São Paulo, com outro gol de falta do Pet.



Ele era um jogador difícil.
O treinador tinha que ter um
bom convívio, jogo de cintura, saber lidar com ele, que era
uma boa pessoa"

Zagallo, sobre Petkovic

Pet honrou a mística da camisa 10 do Flamengo?


Não tem dúvida. A 10 do Flamengo tem um grande significado na vida rubro-negra. Chama-se Zico, que foi o grande 10, fez chover e ganhou muitos títulos. Numa época diferente, não tinha o Zico, mas apareceu um gringo, um gringo chamado Pet, que soube honrar a camisa 10, jogou maravilhosamente, e, em 2001, relembrou grandes feitos do vitorioso Zico.


É possível resumir em uma ou poucas palavras aquele momento de 2001?


Eu não tenho mais palavras para falar. Era fração de segundos para ganhar o título. A torcida, a fé, a imagem de Santo Antônio na minha mão, pensei: "É, vai ser agora, vai ser mesmo". E não deu outra. Deus me abençoou, iluminou a mim e ao Pet.


O senhor consegue pensar como foi do outro lado, a tristeza dos vascaínos que comemoravam até os 43 minutos do segundo tempo?


Eu pensei primeiro no título que poderia ser conquistado. Vi e convivi com a derrota do adversário. A alegria que momentos antes eles estavam era minha naquele momento. A tristeza do Joel. As baforadas do Eurico Miranda na beira do campo antes do gol. O título era nosso.


Zagallo durante entrevista  (Foto: Pedro Veríssimo / Globoesporte.com)


Zagallo faz sinal em referência ao tri: 'O impossível aconteceu' (Foto: Pedro Veríssimo / Globoesporte.com)

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